sábado, 22 de agosto de 2015

Quem fica com a travesti?

(TW: solidão trans, novamente)


Hoje falei para uma amiga como acho interessante uma conhecida em comum.
Ela foi muito simpática e conversamos um tanto sobre.
Em algum momento, essa amiga me disse:
"O problema é que ela é super hetera"

Com isso, queria dizer que provavelmente a pessoa em questão não teria interesse por mim.
Nada mais natural. Afinal, tenho uma expressão de gênero feminina.

Mas essa "naturalidade" poderia ser igualmente inferida a partir do argumento exatamente oposto.

É igualmente natural que alguém não fique comigo porque "só fica com mulheres".

(E, ironicamente, a mesma naturalidade pode aparecer se a pessoa em questão "só fica com homens ou com mulheres").

As orientações sexuais predominantes ignoram a existência de travestis.
Ou seja, para qualquer uma dessas orientações, é natural não ficar com travestis.

As travestis, quando dignas de afeto, são sempre essencialmente amigas.
São naturalmente desprovidas de desejo, de libido, de sexualidade. É natural que não sejam desejadas, amadas.
É natural que não se queira ter relações com elas.

As justificativas são várias. E todas verdadeiras.
Considerando o estado atual de coisas, considerando a forma como as pessoas encaram suas orientações sexuais, todos têm motivos bastante fortes para não ficar com travestis.

Travestis não são homens.
Travestis não são mulheres.

Simples assim.

Condenam-se as travestis à solidão.
Mas todos têm seus gostos individuais. Que são seus. Que não se discutem.
Se ninguém deseja a travesti, o que se pode fazer, não é mesmo?

--

Sorte a minha que não aceito o estado atual de coisas.
E que me meto a aquendar, me meto a desejar - homo, hetero, bi, não me importa - e me meto a ser desejada. Sim, atrevo-me.
Importar-me com a orientações sexuais seria resignar-me e aceitar a solidão.

E sorte a minha que, mesmo que a invisibilização e a discriminação estejam bastante firmes em cada pessoa que cruza o meu caminho, tenho jogo de cintura e libido para desafirmá-las. E que me faço desejar, apesar do vazio de desejo que impõem sobre mim. E que minha vida contagia.

E que a vida, contagiando, desconstrói cada distanciamento, cada preconceito, cada naturalização que colocam em mim.

Vem ver essa vida. Se contagia também. Vamos desconstruir juntes.
Vem comigo?
^^

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