quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O momento em que se pode expressar

Você está lá, nos meus braços, aconchegada sob a penumbra e o cansaço. O cansaço é muito, mas ainda assim você exagera, talvez querendo esconder algo. Seu corpo macio se conforta em mim. E a menção de um sorriso já quase inconsciente me traz um momento mais de alegria. No momento seguinte seu pensamento se deixa ir e seu relaxamento pressiona meu corpo.

Mas sua respiração feliz e suave dá lugar a um ofegar quase bufante, transmitindo a tensão pelo ar. Seus dentes estalam. E estalam novamente.

Os espasmos espalham por seu corpo, tão intensos que parece lutar. Só se limita na maciez da fronteira de nossos corpos, que tenta sobreviver. Você não mais me responde.

Dorme.

Dorme em aparência de agonia. Mas quão gostoso deve ser esse sono, que libera tudo isso que estava preso nesse corpo tão doce. Como parece necessário dissipar toda essa tensão que escondia em você.

E que escondia você.

Minha querida, o que há aí dentro que te faz tão mal? O que você usa tanta força para esconder, que só no sono pode se expressar?

O que está em você, e o que te faz feliz?

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Amores serão sempre amáveis

Não acredito mais no amor.
O amor, no mundo que existe hoje, é uma impossibilidade lógica. O amor só pode existir e se sustentar se existir liberdade para acontecer e se expressar. Ora, é impossível falar de amor de forma verdadeira quando existe uma forma dada e fixa para se comportar e para sentir. O amor só é amor quando é espontâneo, e um comportamento só pode ser subsequente ao amor quando não é estereotipado ou programado por algum tipo de imposição ou restrição moral.
Mas hoje o amor é uma fonte necessária de falta de liberdade. Hoje, a partir do amor - ainda que seja real e espontâneo - , se criam necessidades de estereotipia nos comportamentos, e de restrição dos sentimentos. Em outras palavras, dialeticamente, a própria existência do amor nega sua possibilidade. O capital faz com que a restrição nasça até daquilo que é necessariamente livre.

E não existe quem, individualmente, fuja disso. Por mais que alguém se coloque contra determinados moralismos e se liberte de muitas restrições colocadas por nossa sociedade, ainda somos pessoas do capital, e vivemos em uma sociedade do capital.

(Não é uma saída juntar os amigos e montar um Kibutz de amor-livre. Isso é tão individualista que por si só já mostra como não se libertou da moral do capital. Mas isso merece um texto à parte).

E ainda que alguém individualmente se coloque fora da moral em muitos aspectos (afinal, não vejo como uma possibilidade real sair dela completamente), esse alguém ainda convive com e depende de uma sociedade que cultua essa moral. Por mais que consiga se libertar e expressar um amor honesto, esse amor vai ser combatido pelas próprias circunstâncias de sua expressão.

Os amores que amo, deixo-os para o futuro. Aprendi a amar com restrições. Aprendi a não acreditar no amor. Mas aprendi também a beleza da dialética. E o não acreditar no amor me faz ver como minha luta pelo amor real é factível.
Os amores que hoje existem, estereotipados, contraditórios, restritos, até reprimidos.. esses amores serão vividos fragmentários, e trarão tanta felicidade quanto as contradições permitirem. Mas as contradições mostram as falhas, e as infelicidades estruturais do amor atual podem ser vistas, sentidas, e dão sentido, então, para a luta.
E meus amores de hoje.. muitos deles deixo passar. Dói-me deixá-los, mas é uma dor que me motiva. Sou obrigado à restrição, à estereotipia. E as pratico, como todos. Mas para mim só há sentido nessa dor porque ela me motiva a lutar. E, de minha luta, sei que construirei um amor mais livre, mais solidário. Sei que a luta, não só minha mas de muitos, vai possibilitar o amor real, e criar condições para que a moral não faça do amor uma impossibilidade lógica. E da dor que sinto ao expressar menos o amor hoje nasce a satisfação de que esse amor ainda será amado. Talvez não por mim, mas ainda por mim: será amado.

Todo sentimento que hoje se esconde, se desvia, se reprime, se fragmenta.. todo ele será expresso plenamente. E, cada vez que preciso respirar mais fundo e não me deixar entregar, tenho certeza que os futuros amantes se amarão livremente (e sem saber) todo esse amor que um dia deixei.

Algumas coisas... só aprendemos após a derrota


A Mari foi uma das primeiras pessoas pelas quais me apaixonei. Foi forte. Tão forte que, muito tempo depois que não nos víamos, quando lembrava dela sentia ainda aquelas coisas de quem está apaixonado. Mas eu era extremamente inseguro. Não ligava pra ela. Quando ligava, não sabia o que falar. Ao propor para nos vermos, eu o fazia quase me desculpando. Não sabia o que ela pensava sobre nós, não sabia o que ela sentia por mim, e então o que eu sentia se anulava. Se retraía, com medo não-se-sabe-de-quê. Passava às vezes na A1, casa dela. Mas cada vez menos. E ligava cada vez menos. Era tão, tão importante. E eu não dizia nada, não fazia nada, não me colocava, não ia atrás do que queria.

Até que não existia mais nada.

Como eu fui idiota! Consegui acabar com qualquer possibilidade de uma paixão, só por ter medo dela.

Mas quando percebi que não havia nada, e que, tendo medo de sentir o que sentia, deixei com que tudo se esvaísse, aprendi.
Aprendi que não era problema ir atrás do que eu queria. Percebi que não era vergonha querer. Aprendi que não tinha sentido amar e, por medo de não ter o amor, não o assumir.

Já há muito tempo eu repetia que "se você vai atrás de algo, pode ser que consiga ou não, mas se não vai com certeza não conseguirá". Mas, como quase todo aprendizado, mesmo sabendo dessa conclusão óbvia, não pude agir dessa forma. Pelo contrário, tive a dura aprendizagem pela experiência objetiva. Só compreendi, senti e incorporei o que significava isso quando tive o choque de perceber que eu tinha aceitado que as coisas passassem, da forma mais passiva possível.

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Muito tempo depois a encontrei. Sem querer, sentei para estudar na mesma mesa em que ela lia. Havia tirado os dreads, quase não a reconheci. Dissemos oi, conversamos um pouco sobre a vida. Ela me olhava como quem tinha uma lembrança - longínqua, mas ainda uma lembrança - do que acontecera entre a gente. Nas falas, um ligeiro constrangimento daqueles que aparecem quando encontramos depois de muito tempo alguém que foi tão próximo. Em minha cabeça, inevitavelmente, pensava em como poderia ter sido. Será que ainda seria possível, depois de tanto tempo, e com tantas experiências nos separando, reviver algo? Vamos trocar telefones, ver se nos encontramos um dia qualquer? Conversamos por bem pouco tempo, só uma troca de palavras. Me levantei, minha companheira me esperava lá perto.

Nunca mais a vi.