(Gisele não é o nome real dela. Não me lembro o nome real
dela. Mas vez ou outra ele me vem à cabeça. E tenho certeza que se o ouvisse
hoje seria um nome que me soaria estranho, quase jocoso, como me soava na
época)
Devia ser por volta da primeira ou segunda série. Eu ainda
morava em Marília. Há vinte anos!
Eu não sabia muito sobre a vida, sobre os sentimentos. Não
sabia ainda como era essa coisa de me colocar no lugar dos outros.
Gisele era uma colega da escola. Não lembro dela como sendo
muito próxima no dia a dia. Talvez fosse porque os grupos de meninos e de meninas
eram separados. Talvez somente não fôssemos próximos. Talvez seja uma lembrança
falsa, uma invenção desses anos todos que se passaram.
Gisele gostava de mim. E dizia que gostava. Algumas vezes
pediu para namorar comigo.
Lembro de sua voz. Lembro de sua voz dizendo “Quer namorar
comigo?”. Lembro nitidamente de sua voz, mais nitidamente que boa parte das
minhas lembranças. Fazem vinte anos..
Eu nunca respondi. Nunca dei alguma satisfação. Não sabia o
que fazer. Simplesmente não sabia! Não podia dizer não, mas não queria dizer
sim. Fugia. Tentava desconversar. Ficava indiferente.
Vejam só! Ela gostava de
mim! E eu ficava indiferente! Nem sequer respondia! Como pude?
Eu só não sabia. Não sabia o que ela sentia. Não sabia por que
gostava de mim. Não sabia o que fazer.
A achava estranha. Não tinha tanta proximidade com ela (eu
acho). Não queria namorar com ela. Mas não podia tê-la tratado com tal
indiferença.
Uma vez fiz uma festinha de aniversário, daquelas que
chamamos todos os coleguinhas da escola. E aconteceu algo que deve ser comum:
outro colega fez o aniversário no mesmo dia. Na minha festa foram os dois ou
três amigos mais próximos... e ela! Gisele escolheu ir na minha festa, uma
festa em que não estavam as amigas dela... porque era a minha festa!
E eu a deixava sem resposta. Esticava cada vez mais essa
situação toda. Gisele,
que gostava de mim. E eu indiferente.
Não posso acreditar que já fiz isso.
Gostaria de me desculpar com Gisele. Por tudo, por tudo. Por
toda a indiferença, pelas perguntas sem resposta, pela espera que a impus em
minha imaturidade de não saber me colocar,
por minha insensibilidade em nem ao menos poder compreender o que ela sentia e por não ser capaz
de acolher um sentimento tão bonito que ela tinha por mim.
Sei que as desculpas não adiantam. E sei também que Gisele nunca
as ouvirá. Onde estará ela hoje? Talvez não tenha mais nenhuma lembrança de nada
disso. Talvez ainda carregue com certa nitidez uma cena ou outra.
Não podendo acreditar
que fiz isso, não podendo acreditar que a indiferença pode ser em alguma
situação resposta para o amor, não podendo até hoje aceitar essa lógica e,
ainda assim, vez ou outra reproduzindo-a ou sendo sua vítima – ainda assim me sinto
mais viva com a lembrança. Ela me faz sentir com força o que está errado e o
que tem que mudar.
Provoca um maremoto em minha alma.
E, depois de semanas tão difíceis, finalmente pude chorar.