sábado, 9 de maio de 2015

Da solidão da travesti que gosta de meninas

(TW: solidão trans*)



Hoje acordei e não sabia bem onde estava
Vi que meu corpo estava em minha cama
        Mas eu não estava lá.
Eu então vi que eu não estava em lugar nenhum.

Sempre brinquei tanto com o desejo
O desejo me era amigo, íntimo, companheiro
E agora
        Desejo, para mim, é nada mais que uma lembrança longínqua
Me sinto assexuada em meio à multidão libidinosa

Quem é que iria me querer?
Não tenho aquele masculino que atrai as moças que gostam de meninos
Também não há em mim o feminino que desejam as que gostam de meninas

--

Cansada de ser eu...
Aliás, quem sou eu, quem poderei ser?
        Se não posso ser senão junto
        Se minha história é a história de meus amores
        Se me encontro em cada encontro em meu caminho
Quem poderei ser se sou só?
Fico vazia de mim.

Eu, que sempre esbanjei libido
Me castro diante do desejo dos outros
        Que afirmam, com razão, como sou linda
        E maravilhosa, e até sexy
Mas é um sexy que só desperta desejo nos outros
        E esses outros ainda não encontrei

        (O desejo não vem senão daqueles que aprenderam, vez ou outra na vida,
        Que só sou objeto superficial e carnal,
        Mas não digna de uma relação, de afeto, de amor)

Eu, que sempre tive relações tão próximas,
        Que sempre tive trocas profundas
        Com todes que passaram por minha vida
        Eu, que amo tanto amar profundamente,
Encontro-me de repente procurando sexo
        Só sexo, sem sentimento, sem troca, sem nada. Só para poder sentir-me um pouco desejada.

E vejo-me fechando ao mundo
Não brincando como sempre brinquei
Não amando como sempre amei
Não sou mais eu
        Perco minha libido
        Perco meus encontros
        Mais uma vez na vida, mal posso conversar sem medo

Esse medo me domina
        Fico só. Com medo. Um medo só.
        E de repente o que fica é só o medo.

--
 
        Não queria ter dormido
        Não queria ter acordado.
O medo da vida agora se mistura com quem eu sou.
Meu gênero se confunde com a solidão.

Queria ainda não saber onde estou. Mas agora vejo bem.
        Estou aqui.

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